MP 1171/23 altera a tributação de investimentos estrangeiros de pessoas físicas residentes no Brasil
Em 30/4/2023 foi editada a Medida Provisória nº 1.117/23 (“MP 1171/23”) a qual, além de alterar os valores da tabela mensal do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (“IRPF”) de que trata o artigo 1° da Lei nº 11.482/2007, e os valores de dedução previstos no artigo 4º da Lei nº 9.250/1995, também promoveu relevantes alterações na legislação tributária federal no que se refere à tributação de investimentos estrangeiros de pessoas físicas residentes no Brasil, quais sejam:
- institui nova regra geral de tributação dos rendimentos oriundos do capital aplicado no exterior, por meio de uma tabela específicae com alíquotas progressivas variando de 0% a 22,5%;
- disciplinou a tributação de aplicações financeiras no exterior;
- instituiu regra anti-diferimento de rendimentos auferidos por pessoa física por meio de entidades controladas no exterior;
- introduziu um novo regramento para tributação de rendimentos auferidos no âmbito de trusts; e
- instituiu a opção do contribuinte por atualizar o valor dos seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31/12/2022, tributando a diferença entre o valor atualizado desses ativos e seu respectivo custo de aquisição (ganho de capital) pela alíquota definitiva de 10%, desde que haja o pagamento do imposto dentro do ano de 2023.
Em linhas gerais, a MP 1171/23 determina que, a partir de 1º/1/2024, a pessoa física residente no Brasil deverá computar os rendimentos oriundos de capital investido no exterior, assim como aqueles oriundos de bens e direitos objeto de trust, de forma separada dos demais rendimentos e ganhos de capital em sua Declaração de Ajuste Anual (“DAA”), e com base nas seguintes alíquotas:
- 0% sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$ 6.000,00;
- 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6.000,00 e não ultrapassar R$ 50.000,00; e
- 22,5% sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00;
A tributação, nos moldes acima, se aplicará nas seguintes situações:
1) Tributação de aplicações financeiras no exterior
Os rendimentos de aplicações financeiras continuam submetidos à incidência do IRPF no período de apuração em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física, ou seja, no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras.
No entanto, a tributação não gozará de nenhuma dedução em sua base de cálculo e aplicar-se-ão as alíquotas progressivas específicas acima indicadas (0% a 22,5%) para fins de apuração do imposto devido no Brasil.
São exemplos de aplicações financeiras, nos termos do artigo 3º da MP 1171/23, depósitos bancários, certificados de depósitos, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento, operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, contratos derivativos, entre outros.
Por sua vez, cotas de fundos de investimentos e participações societárias apenas serão tratadas como aplicações financeiras caso não possam ser caracterizadas como entidades controladas no exterior (conforme item 2 a seguir).
Outra relevante alteração é a revogação do artigo 24, § 5º, da Medida Provisória nº 2.158-35/01. Com isso, passa a ser tributável a variação cambial manifestada no ganho de capital decorrente da alienação de bens, direitos ou aplicações financeiras realizadas originalmente em moeda estrangeira.
2) Tributação de entidades controladas no exterior
No que se refere às entidades controladas por pessoas físicas residentes no Brasil, sejam elas personificadas ou não, incluindo fundos de investimento e fundações, a MP 1171/23 estabelece que:
- os lucros apurados até 31/12/2023continuarão submetidos à tributação somente quando de sua efetiva disponibilização para a pessoa física residente no País; ao passo que
- os lucros apurados a partir de 1º/1/2024serão tributados em 31 de dezembro de cada ano, independentemente de sua efetiva distribuição.
A tributação ocorrerá na proporção da participação da pessoa física no capital social, ou equivalente, da controlada no exterior, em que se observe os seguintes requisitos:
i. Controle societário:
Hipótese em que a pessoa física detenha, de forma direta ou indireta, isoladamente ou em conjunto com outras partes, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria dos seus administradores; ou
ii. Controle econômico:
Hipótese em que a pessoa física possua, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com pessoas vinculadas, mais de 50% de participação no capital social, ou equivalente, ou nos direitos à percepção de seus lucros, ou ao recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação.
iii. Localização da entidade controlada:
Hipótese em que a entidade controlada esteja localizada em país ou dependência com tributação favorecida ou sujeita a regime fiscal privilegiado; ou
iv. Composição da renda majoritariamente passiva
Hipótese em que a entidade controlada apure renda ativa própria inferior a 80% da renda total, sendo assim considerada a renda obtida diretamente pela pessoa jurídica mediante a exploração de atividade econômica própria, excluídas as receitas de royalties, juros, dividendos, participações societárias, aluguéis, aplicações financeiras intermediação financeira e ganhos de capital, exceto na alienação de participações societárias ou ativos de caráter permanente adquiridos há mais de dois anos.
A regra anti-diferimento, contudo, não se aplicará os lucros apurados a partir de 1º/1/2024 pelas controladas no exterior de pessoas físicas residentes no País que não se enquadrarem nos itens iii e iv acima, os quais continuarão submetidos à tributação brasileira somente quando de sua efetiva disponibilização para a pessoa física residente no país.
3) Tributação de rendimentos oriundos de bens e direitos objeto de trust no exterior
Nos termos da MP 1171/23, os rendimentos e ganhos de capital auferidos a partir de 1º/1/2024 serão: (i) considerados auferidos pelo “titular” de tais bens e direitos na respectiva data; e (ii) submetidos à incidência do IRPF segundo as regras aplicáveis ao “titular”.
A fim de definir quem seria o “titular” de tais bens e direitos objeto de trust, a MP 1171/23, pretendendo disciplinar o momento de sua transferência para fins de incidência do IRPF no Brasil, estabeleceu que: (i) permanecem sob titularidade do instituidor após a instituição do trust; e (ii) somente passam para a titularidade do beneficiário no momento (a) da distribuição pelo trust para o beneficiário, ou (b) do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro.
Assim, nos termos da MP 1171/23, a partir de 1º/1/2024, a distribuição pelo trust ao beneficiário possuirá natureza jurídica de transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário, caracterizando uma doação, caso ocorrida durante a vida do instituidor, ou uma transmissão causa mortis, caso decorra do falecimento do instituidor.
A MP 1171/23 também prevê que a partir de 1º/1/2024, os bens e direitos objeto do trust, independentemente da data da sua aquisição, deverão ser declarados diretamente pelo “titular” na DAA, pelo custo de aquisição em relação à data-base de 31/12/2023.
Eis abaixo quadro ilustrativo que sumariza as situações acima descritas:
Por fim, a MP 1171/23 também instituiu a faculdade de a pessoa física residente no País optar por atualizar o valor dos seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31/12/2022, tributando a diferença entre o valor atualizado desses ativos e seu respectivo custo de aquisição (ganho de capital) pela alíquota definitiva de 10%, desde que haja o pagamento do imposto até 30 de novembro de 2023.
A opção poderá ser exercida em conjunto ou separadamente para cada bem ou direito no exterior.
Não poderão ser objeto de atualização joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material genético de reprodução animal, sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.
Especialmente no caso de entidades controladas no exterior, sujeitas, ou não, ao regime de tributação automática (item 2 acima), a pessoa física que tiver optado pela atualização até 31/12/2022 poderá optar, separadamente, por atualizar o valor de mercado para o período de 1º/1/2023 a 31/12/2023, também com o pagamento do IRPF à alíquota definitiva de 10%.
Para facilitar a compreensão dos investidores, segue abaixo um quadro comparativo entre a legislação atual e as alterações promovidas pela MP1171.
Os advogados da equipe tributária do Araújo e Policastro estão à disposição para fornecer maiores orientações e esclarecer eventuais dúvidas acerca das modificações introduzidas pela MP 1171/23 na legislação tributária.