Uma Análise das Possíveis Alternativas para Minorar os Efeitos do Fechamento da Fábrica da Ford em São Bernardo do Campo
A notícia do encerramento das atividades na fábrica da Ford, na cidade de São Bernardo do Campo, SP, depois de mais de 50 anos de funcionamento, vem abalando o mercado automobilístico no país.
A medida faz parte do plano de reestruturação global da empresa, que acabou de firmar uma parceria com a Volkswagen para fabricar veículos utilitários.
De acordo com informações do Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a decisão partiu da matriz, nos Estados Unidos e, ao que tudo indica, nenhum órgão sindical ou de representação dos empregados foi consultado ou informado da decisão antes da divulgação na mídia.
Historicamente, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é uma entidade bastante forte e ativa na região, protagonista de diversas greves e movimentos em prol de melhorias na qualidade de vida e padrão de remuneração e benefícios dos empregados que representa.
O Sindicato sempre participou das negociações envolvendo dispensas coletivas, na medida em que, apesar de não existir qualquer norma regulamentando o tema, em decorrência de um precedente do Tribunal Superior do Trabalho, a negociação com o Sindicato da categoria era um requisito essencial à validade da dispensa coletiva, com vistas à diminuição dos impactos na sociedade.
Todavia, a Lei 13.467/17 passou a tratar expressamente da questão, classificando as dispensas como: individuais, plúrimas e coletivas, podendo o empregador agir livremente (consubstanciado em seu poder diretivo), independentemente da modalidade da dispensa, sem obedecer a qualquer conduta antecedente, ou seja, no caso da dispensa coletiva, a negociação prévia com o sindicato profissional deixou de ser um requisito de validade do ato.
Além da entidade sindical, existe a figura da Comissão de Fábrica, criada em meados de 1945, no bojo do ressurgimento do movimento operário e sindical. Trata-se de comissão eleita pelos empregados, para representa-los junto aos órgãos sindicais e ao empregador, com o intuito de reforçar as reivindicações dos empregados.
Até a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, em novembro/2017, a chamada Comissão de Fábrica era uma criação histórica, mas sem qualquer amparo legal, apesar de reconhecida pela jurisprudência.
A Constituição Federal, em seu artigo 11¹, assegura a eleição de um representante dos empregados com a finalidade de intermediar as reivindicações com o empregador, para empresas com mais de 200 empregados.
No entanto, apenas com a entrada em vigor da Lei 13.467/17, com a inclusão do Título IV-A na CLT, sedimentou-se a legalidade da eleição da comissão de empregados, e não apenas de um representante, cuja composição é definida pela quantidade de empregados da empresa:
- Nas empresas com mais de duzentos e até três mil empregados, por três membros;
- Nas empresas com mais de três mil e até cinco mil empregados, por cinco membros;
- Nas empresas com mais de cinco mil empregados, por sete membros.
Além disso, a atuação da comissão também está prevista na CLT:
- Representar os empregados perante a administração da empresa;
- Aprimorar o relacionamento entre a empresa e seus empregados com base nos princípios da boa-fé e do respeito mútuo;
- Promover o diálogo e o entendimento no ambiente de trabalho com o fim de prevenir conflitos;
- Buscar soluções para os conflitos decorrentes da relação de trabalho, de forma rápida e eficaz, visando à efetiva aplicação das normas legais e contratuais;
- Assegurar tratamento justo e imparcial aos empregados, impedindo qualquer forma de discriminação por motivo de sexo, idade, religião, opinião política ou atuação sindical;
- Encaminhar reivindicações específicas dos empregados de seu âmbito de representação;
- Acompanhar o cumprimento das leis trabalhistas, previdenciárias e das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho.
Dessa maneira, com a promulgação da Reforma Trabalhista, a Comissão de Fábrica foi legalizada e suas atribuições definidas em lei.
Em que pese inexistam penalidades previstas na CLT à empresa que deixa de se valer da comissão de empregados para resolver questões internas, entendemos bastante salutar o seu envolvimento, em especial para anunciar previamente a intenção de fechar importante polo fabril, como forma de procurar, juntamente com os empregados, medidas alternativas para mitigar as consequências do encerramento das atividades, afetando aproximados 3.000 trabalhadores diretos e 1.500 terceirizados, sem contar os efeitos secundários sobre a economia da região.
Além disso, outra medida alternativa, para evitar uma comoção em massa dos empregados, em decorrência de uma dispensa coletiva sem qualquer pagamento adicional, seria o Programa de Demissão Voluntária (PDV), através do qual é possível enxugar o quadro de pessoal, ou, até mesmo, encerrar as atividades da empresa, otimizando custos e racionalizando a gestão de pessoas.
Através desse mecanismo, a empresa pode, com o auxílio do sindicato profissional, elaborar um plano para incentivar os empregados a pedirem demissão, oferecendo vantagens/benefícios mais atrativos do que os que seriam pagos em caso de uma demissão sem justa causa.
O Programa, após aprovado pelo sindicato, deve ser apresentado a todos os empregados, sem exceção, para evitar futuras arguições de desconhecimento do plano. Com isso, abre-se um prazo para adesão e pagamento das verbas rescisórias aos empregados que aderirem.
Para os empregados que não aderirem ao plano, será aplicada a dispensa sem justa causa, com o pagamento das verbas rescisórias cabíveis, não sendo admitido questionamento futuro, uma vez que o plano foi apresentado a todos e aceito por quem assim optou.
A grande vantagem, para a empresa, em apresentar um Plano de Demissão Voluntária, foi trazida pela Reforma Trabalhista, que, em seu artigo 477-B², expressamente estabeleceu que a adesão ao plano enseja quitação total e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia.
Ou seja, o empregado que adere ao plano, após receber o que lhe for devido, não pode mais ajuizar uma reclamação trabalhista para pleitear outros direitos que entende devidos, decorrentes da relação mantida com o empregador, o que acaba por reduzir, sensivelmente, o número de ações movidas contra a empresa, após a demissão.
Por outro lado, para os empregados, o PDV é uma boa alternativa, pois garante o recebimento de verbas/benefícios que não seriam pagos em caso de um pedido de demissão ou uma dispensa sem justa causa, como, por exemplo, o pagamento de um salário mínimo ou nominal adicional por cada ano de trabalho na empresa ou a extensão do plano de saúde, como é de praxe ocorrer.
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC já se posicionou no sentido de que vai buscar medidas judiciais para que a Ford seja obrigada a, pelo menos, negociar a dispensa coletiva, a fim de evitar que milhares de trabalhadores sejam prejudicados pela decisão da matriz americana.
Do ponto de vista estritamente legal, tomando por base a redação atual da legislação trabalhista, tanto a notícia do encerramento das atividades fabris, como a consequente futura dispensa coletiva dos empregados está em consonância com as normas, já que, como visto acima, não existe qualquer exigência formal de envolver a comissão de empregados nas decisões da empresa, bem como inexiste qualquer formalidade para implementação da dispensa coletiva.
Por outro lado, do ponto de vista social, em razão da importância da empresa na região e da quantidade de empregados que serão afetados com o encerramento das atividades, entendemos que casos como esse recomendam condução diferenciada, valendo-se dos mecanismos legais disponíveis para melhor acomodar a situação e evitar graves efeitos à população.