Concorrência Desleal Online: Uso Ilegal de Marcas de Concorrentes como Palavras-Chave em Links Patrocinados

À medida que a internet se torna um dos principais ambientes de negócios para empresas, o tema da competição no ambiente digital tem evoluído de forma rápida e complexa, trazendo à tona questões legais relevantes.

Uma dessas questões é a concorrência desleal ou parasitária por meio da utilização de links patrocinados em provedores de busca, o que ganhou destaque recentemente com uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ [1] que condenou um anunciante e o Google por tal prática.

Provedores de busca online, como o Google, oferecem aos usuários uma lista de resultados orgânicos para suas buscas na internet. A ordem de apresentação desses resultados é determinada pela relevância dos sites, calculada pelo algoritmo da plataforma de busca. Esse cálculo leva em consideração diversos fatores, como a qualidade e pertinência do conteúdo, a autoridade e confiabilidade do site, a experiência do usuário, a otimização para dispositivos móveis, entre outros elementos.

Ocorre que, além dos resultados orgânicos, os provedores de busca exibem também resultados patrocinados, ou seja, apresentam, em geral como resultado principal de determinada busca, um site de um anunciante que paga ao provedor pela exibição de um anúncio em buscas por determinada palavra-chave. Assim, por exemplo, uma agência de turismo pode patrocinar a palavra-chave “viagem” ou uma loja de eletrônicos patrocinar a palavra-chave “smartphones” e, dessa forma, terem seus sites apresentados com prioridade sempre que alguém buscar por tais termos. Trata-se dos chamados “links patrocinados”.

Oferecer ou contratar links patrocinados sem dúvida é uma atividade lícita e cada vez mais difundida, porém um problema tem surgido quando anunciantes passam a patrocinar palavras-chave idênticas à marca de seus concorrentes. Ao fazê-lo, tais anunciantes se utilizam da reputação e do reconhecimento da empresa concorrente em uma conduta que implica no desvio de clientela do concorrente, muitas vezes de maneira enganosa.

Nesse sentido, a jurisprudência de nossos tribunais tem se consolidado – culminando na recente decisão do STJ – em caracterizar essa prática como um claro ato de concorrência desleal, refletindo uma estratégia parasitária por parte destes anunciantes.

O motivo é que o consumidor que realiza uma busca por uma marca específica procura diretamente por determinada empresa, com o objetivo de acessar seu site e, possivelmente adquirir seus produtos ou serviços. O concorrente parasitário, por outro lado, se aproveita dessa reputação da marca concorrente e da busca realizada pelo usuário para promover seu próprio site, seus produtos e serviços. 

Poderia argumentar-se que ter seu anúncio aparecendo na busca específica pelo nome da marca do concorrente seria somente uma forma de exposição comparativa ao usuário, conforme permitido pelo Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária [2]. Entretanto, o próprio Código ressalva que não se configura publicidade comparativa quando uma ação resulta em (i) confusão entre os consumidores, (ii) concorrência desleal ou (iii) proveito injustificado do prestígio da empresa concorrente.

O recente julgado do STJ, nesse sentido, expressamente aponta que esses três aspectos estão presentes quando ocorre a compra de uma palavra-chave idêntica à marca de um concorrente, com o objetivo de aparecer em destaque nos resultados do provedor de busca. Consequentemente, define que tal conduta configura uma prática de concorrência desleal e não de simples publicidade comparativa.

É importante lembrar, aliás, que a Lei de Propriedade Industrial [3] determina que comete crime de concorrência desleal quem emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem.

Ademais, as decisões dos tribunais têm condenado também o provedor de busca, juntamente com a empresa anunciante, a indenizar o proprietário da marca indevidamente comercializada, tanto por danos morais quanto por danos materiais.

No que se refere aos danos morais a decisão do STJ pondera que o dano moral decorrente do uso indevido da marca, com base na Lei de Propriedade Industrial [4],  é evidente por si só, ou seja, sua caracterização ocorre apenas com a comprovação da prática, sendo desnecessária a demonstração de prejuízo concreto para que surja o dever de indenizar.

Já quanto aos danos materiais, para estes casos de concorrência desleal e com base na Lei de Propriedade Industrial [5],  o julgado do STJ pontuou que os danos são presumidos devido ao desvio de clientela e à confusão entre as marcas. Assim, os danos devem ser apurados em liquidação de sentença, que é a fase processual destinada ao cálculo do montante da indenização com base em critérios da lei e/ou da decisão judicial.

Infelizmente, essa prática se difundiu muito no mercado digital brasileiro, muitas vezes pela atuação de agências de marketing digital sem familiaridade com a legislação, que acabam por inadvertidamente comprometer seus clientes. Nesse sentido, é importante que as empresas tenham um olhar atento às suas campanhas de marketing digital, especialmente quando terceirizadas, a fim de garantir que suas empresas não estejam realizando anúncios patrocinados em desacordo com a lei e em prejuízo ilícito de concorrentes.

No mais, para as empresas em geral e especialmente aquelas com forte presença digital, é importante realizar uma simples e breve busca pela marca da sua empresa em motores de busca, a fim de identificar se sua marca está sofrendo este tipo de concorrência desleal.

No entanto, é importante destacar que a simples exibição de resultados patrocinados de um concorrente ao pesquisar por uma marca específica nem sempre constitui ilegalidade, devido à maneira como ferramentas como os mecanismos de busca funcionam. Esses sistemas frequentemente permitem a contratação de anúncios de palavras-chave com correspondência ampla, ou seja, para apresentação do anúncio não apenas com a busca exata pela palavra-chave. Dessa forma, marcas compostas por palavras de uso comum têm maior probabilidade de aparecer nos resultados de busca, mesmo que não tenham sido expressamente contratadas por um anunciante concorrente. Assim sendo, é imprescindível analisar cada caso individualmente para determinar se houve prática desleal por parte do anunciante.

Por fim, mostra-se premente que provedores de busca enderecem este problema dos anúncios realizados em prejuízo de concorrentes, buscando alguma alternativa tecnológica ou procedimental para evitar a continuidade de anúncios em desacordo com a legislação, o que sem dúvida fortalecerá o ambiente de concorrência digital.

[1] STJ – Recurso Especial nº 2096417 – SP 

[2] Artigo 32 do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária 

[3] Art. 195, III, da Lei de Propriedade Industrial – Lei 9.279/96 

[4] Art. 209 da Lei de Propriedade Industrial – Lei 9.279/96 

[5] Art. 209 e 210 da Lei de Propriedade Industrial – Lei 9.279/96