Supremo declara inconstitucional a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada em ações civis públicas

Na última quarta-feira (07/04), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) concluiu o julgamento do Tema Representativo de Controvérsia 1075, e, por maioria, declarou o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública (LACP) inconstitucional, entendendo que a competência territorial somente limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença proferida em sede de Ação Civil Pública.

No julgamento do Recurso Extraordinário 1.101.937/SP, o Relator Ministro Alexandre de Moraes ressaltou que o artigo 16 da LACP contraria as pretensões da Constituição Federal de 1988 que ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, instituindo instrumentos para garantir sua efetividade. O comando constitucional teria sido observado com a edição do Código de Defesa do Consumidor (CDC), cujo artigo 90 somado ao o artigo 21 da LACP, teriam estabelecido verdadeiro microssistema processual coletivo.

A alteração promovida pela Lei 9.494/1997 no artigo 16 da LACP contrariou os avanços pretendidos pela Constituição, restringindo a eficácia da coisa julgada coletiva ao território de competência do órgão prolator. Com isso, reduziu-se a efetividade da proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

A limitação territorial imposta pelo dispositivo em questão inexiste no comando constitucional do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal. Em sentido similar, os artigos 93 e 103 do CDC são bastante claros e precisos ao estabelecer que a proteção deve recair sobre direitos metaindividuais, devendo a sentença surtir efeitos sobre todos os potenciais beneficiários da decisão judicial.

O entendimento foi integralmente acompanhado pelas Ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber e pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Os Ministros Nunes Marques e Edson Fachin acompanharam o Relator com ressalvas. Já o Ministro Marco Aurélio se opôs ao entendimento da maioria, defendendo a limitação territorial dos efeitos subjetivos da coisa julgada coletiva.

Em seu voto, o Ministro Ricardo Lewandowski destacou: “devemos dar o máximo alcance à eficácia subjetiva da coisa julgada. É inadequado exigir que cada cidadão, ou mesmo cada pequena associação local, tenha que promover individualmente sua ação, fechando-se os olhos para o contexto social descrito e para sua fragilidade frente à parte contrária”.

Nesse sentido, por maioria, foi fixada a seguinte tese: “I – É inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494 /1997. II – Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990. III – Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas”.

A decisão é emblemática, pois pacificou a jurisprudência ainda não consolidada sobre o tema – se há ou não limitação territorial aos efeitos subjetivos da sentença proferida em ação civil pública.

Até então, o Plenário do STF só tinha discutido a questão ao julgar o Tema 499 (RE 612.043/PR)¹, quando entendeu que “a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento”.

A tese registrada no Tema 1075 pelo STF está em linha com o entendimento adotado pelo STJ que afastou a limitação territorial constante no art. 16 da LACP (Recurso Especial n.º 1.243.887/PR), quando fixou os Temas 480 e 481.²³ Naquela ocasião, entendeu-se que o alcance da sentença não estaria adstrito aos limites geográficos de competência do tribunal que a prolatou, mas sim aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em consideração a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo. Em linhas gerais, o STJ tem aplicado o entendimento fixado pelo STF no Tema 499 às ações coletivas submetidas ao rito ordinário, e o entendimento fixado nos Temas 480 e 481 às ações coletivas para defesa de direitos coletivos lato sensu e individuais homogêneos.

O entendimento consolidado pelo STF no Tema 1075 é de extrema importância ao enforcement privado do direito concorrencial brasileiro, ampliando a eficácia da proteção dos direitos violados por infração à ordem econômica. Na esfera concorrencial, são frequentes as infrações com alto potencial lesivo voltadas a todo o território nacional. A tese em questão, nesse sentido, garante proteção aos afetados por essas condutas independentemente da localização de seus respectivos domicílios.

A recente decisão, portanto, é importante e coerente, pois passa a evitar a situação absurda de exigir dos legitimados a propositura de tantas demandas quantos fossem os territórios em que residem as pessoas lesadas, o que é manifestamente contrário à ideia protetiva dos direitos fundamentais de terceira geração, bem como aos princípio de igualdade e eficiência na prestação jurisdicional.

¹ STF. RE 612.043. Rel. Min. Marco Aurélio. Plenário. Julgado em 10/05/2017.

² Tema 480/STJ: A liquidação e a execução de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).

³ Tema 481/STJ: A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9.494/97.